segunda-feira, 31 de outubro de 2011

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

baptismo


R. Magritte, La mémoire, 1948


hoje morreu-me
mais uma célula
instalou-se um ponto negro
na borda da memória
um cancro pronto
a estender as metástases
pelo álbum amarelado
de retratos sépia
hoje encurtou-se o tempo
que me separa
da ausência
afogou-se a lágrima
num bolso roto
desfigurada pela
secura dos olhos.
aqui
vou deixando migalhas
paulatinamente
dispostas a indicarem
o percurso
até ao cais
do poente


domingo, 23 de outubro de 2011

anacronismos


Inês Marques Gomes


1.
estava seco
o verso da folha
quando caiu uma gota
de chuva.

não chegou a tempo
de matar a sede.

2.
a mão que nunca conheceu
o travo da terra
é incapaz de afagar
um rosto só.

3.
há uma sabedoria
só de rugas e de kairos
para perceber que
um dia de sol é
igual a um dia de chuva.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Confissão

Jeronymus Bosch


Não.
Não sou uma ordeira
Mente indignada
Que vai beber uns copos
Na hora da despedida.
Prefiro-me Antígona desempregada
Diante de uma plateia vazia
Já que não são estes os tempos
De uma justiça de sangue.
Não.

[Despudorada contarei
A quem queira ouvir-me
Que o sol também pode ser azul
Ou podem voar os peixes
Sem ser num quadro de Bosch.]


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

mundo meu

04-10-11 - o meu fim de dia


desmoronou-se
enfim
a minha casa.

ficam paredes
para trás, portas e janelas
ficam soalhos
e estantes
fica muito bric-à-brac
e espelhos também.
ficam gatos e sofás
escrivaninhas
e máquinas de costura
ficam quadros e
cortinas ficam
fotografias e cadernos.
- ficam casas -

agora tenho
o mundo para habitar
estes olhos cansados
e um corpo curvado
as mãos menos
ágeis, mas a alma
bem curtida pelo tempo
e um coração aberto ao sol.

já não preciso
de roupa nem artefactos
e o chão é
a minha cama. ou o mar.

(só preciso de respirar)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

olhos meus


Foz do Douro, Porto

                                                                                     (para a Maria Ana)

Um dia
Há-de ser um dia
Eu vou gritar
Por ti
Até me esvair no rio
Que vai entrar no mar:
MAR