terça-feira, 17 de abril de 2012
sexta-feira, 6 de abril de 2012
JanelaLivro 7
Foto de Wolf Ademeit
entrevejo as palavras emparedadas com uma dor aguda no braço
direito que antes percorria de cor o perfil do teu ombro até à nuca. era o
tempo dos frutos vermelhos e dos terraços virados a sul. havia pássaros
pendurados à janela e flores que vagueavam cegas pelos corredores da memória. não
sabia então que ela era tão fingida quanto o perfume que me conduzia a ti. as tardes
espreguiçavam-se em bebedeiras de azul ocre enquanto o forno dourava um peixe
estaladiço. tudo servia para enganar o tempo com a puerilidade das primaveras
verdejantes. também o palimpsesto das folhas brancas parecia impor-se a
qualquer texto por mais estéril que fosse. os dias somavam-se com a lentidão
dos rosários desfiados distraidamente grávidos de sonhos transparentes como as cortinas
de cambraia que esvoaçavam nas janelas.
agora as palavras emparedadas suplicam-me um jardim onde
possam germinar, contam-me histórias de encantar, baptizam-me os gestos
desordenados.
mas tu já não moras aqui.
eu sobrevivo em silêncio. fecho os olhos e consigo sentir o
teu corpo colado ao meu porque rasguei um a um os cadernos que tinha espalhados
pela casa. dou de comer às formigas, lavo as paredes com sabão de marselha,
descasco as batatas sentada na soleira da porta e bebo a tília com a mesma
devoção com que antes te amava. preciso de cuidar deste pedaço de terra que
pisámos de mãos dadas, aprender os segredos de uma vida opaca, reconhecer-me
reflexa ou intransitiva. quando o último sopro se juntar à brisa da manhã sei
que virás para resgatar as cinzas.
domingo, 1 de abril de 2012
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