Gustave Klimt, A vida e a morte, 1916
Quando ela assomou à porta do meu
quarto, abri os olhos apesar do silêncio. Aproximou-se pé ante pé e quando
estava já bem perto de mim, interpelei-a com um prazer desmesurado.
- Senta-te um pouco. Não precisas
de ter pressa.
…
- Bebes?
- Em serviço, nunca.
- Que tédio! Não tem que ser um
trabalho.
- É.
- Despe-te.
Ela tentou afastar-se e
aproveitei para lhe retirar o véu negro, que afinal era um pano inteiro que a
cobria da cabeça aos pés. E detrás da imagem estereotipada que conhecia dos
livros, surgiu o corpo atraente de uma mulher de carne e osso, de pele e odor,
de água e fogo. Juntamente com a túnica caiu a máscara e a voz tornou-se doce.
- Não devias ter feito isso…
- O que queres beber?
- Acho melhor não…
- Não quero fugir de nada. Mas
gostava de te conhecer.
- E não me conheces, já?
- Só indiretamente. Nunca vieste
buscar-me a mim.
- …
- Estou pronta. E agora que te
vi, assim despida, é com prazer que te acompanho.
- Nunca ninguém me acompanha com
prazer.
- Mas eu, sim.
- Estás a tentar seduzir-me…
- Não posso. És tu que me levas.
És tu a predadora.
- Apenas cumpro ordens.
- (Risos) De quem?
- Eu sei que não acreditas. Não
vale a pena perder tempo.
E levanta-se para vestir de novo o
negro que representa o seu papel. Agarro-lhe a mão, puxo-a para mim e sobre a
cambraia beijo-a nos lábios, entregando-me com prazer ao seu domínio. Ela
abraça-me pela cintura e leva-me desta vida, sem a leveza da tarefa cumprida,
porque a minha entrega foi tranquila.
Morri com um sorriso cúmplice.
4 comentários:
Cheguei ao teu blogue por mero acaso.
Mas não foi por mero acaso que li muitos dos teus posts.
Fiquei encantado com tanto talento.
Voltarei, por isso.
Tem um bom fim de semana.
Olá Nilson!
Muito obrigada. Tenho pena que esteja um bocado perdido o costume de se comentar nos blogues. Não sei se te lembras, mas já nos tínhamos encontrado antes. Ainda bem que se restabeleceu esta ponte.
Um grande abraço e bom fim de semana.
Muito interessante esta partida serena.
Se pensarmos na morte diáriamente, observamos o sol e sentimos o seu calor profundamente.
Gostei muito.
Obrigada.
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