terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

apenas



será a sul uma janela será
então aberta a pássaros
e flores a gatos
terá vasos e cortinas
por mim tecidas
de mãos enrugadas
e olhos cansados

será uma janela
apenas
com vista para o mar.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

(ouvindo Messiaen)


Sandra Ruchat Gretener


é inevitável que a queda seja total.
o depois ainda é inefável.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Hades


Bernard Buffet


neste lugar de ninguém, sem tempo nem medida, há um olhar distante sobre a ausência que procura melacólico o cigarro por acender. entre um copo e outro a distância esgueira-se pelas frinchas da janela, os deuses dançam à volta da mesa, as memórias estatelam-se sobre a mesa prontas para o jogo final.
- Ás, de morrer. Ou hás-de...?
- Hades.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

eternos instantes


(da net)



exílio-
-me deste tempo
vertiginoso e carcomido
desta gente demente
que se pavoneia na virtualidade
funâmbula sem rede
que papagueia slogans sem
lhes entender o sentido.

evado-
-me dos néons estafados
das piadas desengraçadas
dos casais de fachada
dos sentimentos descartáveis
e sobretudo
das palavras engravatadas.

Penélope e manta
descoso-me todas as noites
fingindo aguardar um
Ulisses que nem sequer conheci.

Cinza de Fénix
que não renascerá
instalo-me no intante fugidio
fecho a porta ao quotidiano
clássico e invento-
-me barco à deriva.



Homenagem tardia a Théo Angelopoulos

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

espécie de cantiga de escarnho


o gosto duvidoso e
a ignorância não
escolhem margens
para espalhar os dejectos
na ocidental praia lusitana
que por um instante apenas
foi maior do que
o tamanho que tem
e dessa grandura
deu à língua um tecido
de poemas feito
resistente a toda a sorte
de metástases.


neste país de marinheiros desempregados
apenas Georges pela mão de Anto
vislumbra  pinceladas de um
vermelho extraordinário
onde o comum dos mortais
vê apenas escarros de hemoptises
com erros de fotografia.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

um dia



de tanto dizer mar
ele ergue-se dos meus sonhos
cobre-me o rosto
de sal e sol.

um dia será tempo
de me cerrar os olhos.


domingo, 12 de fevereiro de 2012

mar/a/mor




Dizes amor. Eu digo mar.

Aquele que me abraçou quando as gaivotas rasavam nos teus olhos e eu estendia a roupa ao som das velas que ardiam contra o vento. Veio o sol e pousei a bacia no teu flanco, passeando as mãos no volante esquecidas como se procura um sonho e encontra um barco. Conduzo-te ao sul com o ardor de uma bétula, danço com a lua agarrada à cintura, sussurro a nudez visível sob o manto da estrada. Mas o caminho perdeu-se no tempo. Dédalo.

Tu dizes mar. Eu não sei dizer amor.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

saudadeS enviesadas


tenho saudades do
sino da minha aldeia
que não tive
nem o sino nem a aldeia
saudades do teu ombro
onde não chorei
a saborear aquele
barco que não me
ensinaste a navegar.

tenho saudades
de tudo e de nada
dos quadros que não pintei
da música que não ouvi
e das paletas
e das cores
e das violetas
e dos amores
saudades do palco
que não pisei
saudades do grito
que abortei.

só não tenho saudades
de ter saudades
porque prefiro passear
nua junto ao mar.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

sabor de madalenas


Fabiola Narváez


não é o sabor
das madalenas
que me arrepia os
sentidos,
mas antes o corpo
salgado que me lambias
com raios de sol

quando o dia estiver
a apagar-se beberei
uma tisana e experimentarei
uma madalena
atenta à memória do
teu cheiro nos meus
cabelos.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Expiração


em vez de aguardar a
inspiração ao virar de
uma esquina de sentimentos
ínvios prefiro
expirar intensamente
até expelir todos
os segredos putrefeitos
beber um laxante de palavras
eruditas ingerir um
diurético de histórias
sonhadas e embrulhar
tudo em papel celofane
para distribuir
pelos pobres de espírito
que assolam as cidades
ocidentais.